João Neutzling Jr.

Kafka e os mistérios da alma

João Neutzling Jr.
Economista, bacharel em Direito, mestre em Educação, auditor estadual, pesquisador e professor
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"Quando certa manhã Gregor Samsa acordou de sonhos intranquilos, encontrou-se em sua cama metamorfoseado num inseto monstruoso. Estava deitado sobre suas costas duras como couraça e, ao levantar um pouco a cabeça, viu seu ventre abaulado, marrom, dividido por nervuras arqueadas." Assim começa a obra A metamorfose (Die Verwandlung), publicada em 1915, de autoria de Franz Kafka (1883-1924).

Kafka foi um escritor judeu nascido na República Tcheca, precursor do realismo mágico e do fantástico cuja obra é marcada por situações absurdas e contraditórias onde ele analisa o comportamento humano em todas suas nuances. Em A metamorfose, o autor narra e avalia as relações familiares decorrentes do fato surreal e passa a confrontar os sentimentos humanos dos personagens como compaixão, desprezo e afeto pela criatura transformada. É uma obra cheia de reflexões filosóficas. Análise semelhante há no filme O Homem Elefante (1980), de David Lynch.

Em Carta ao pai (1919), obra póstuma, expressa sua mágoa e ingratidão pelos laços familiares nada amistosos. Em O processo (1925), o personagem Joseph K. sofre longo processo judicial sem que lhe seja dito ao certo o seu crime. O livro é uma crítica aberta ao Poder Judiciário e seus constantes erros de julgamento, onde muitos inocentes são condenados injustamente e muitas pessoas são presas sem acusação formal e sem o devido processo judicial.

E a vida imita a arte. Basta ver que depois da invasão do Iraque pelos Estados Unidos, em 2003, mais de 700 civis iraquianos, afegãos e de outras nacionalidades foram sequestrados e levados em aviões militares dos Estados Unidos para a prisão de Guantánamo, em Cuba. Foram submetidos a todo tipo de tortura inimaginável. Muitos morreram. Não tiveram um devido processo judicial, não receberam nenhuma acusação de crime e sequer tiveram direito a um advogado.

Na Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948 temos: Artigo XII - Todo ser humano acusado de um ato delituoso tem o direito de ser presumido inocente até que a sua culpabilidade tenha sido provada de acordo com a lei, em julgamento público no qual lhe tenham sido asseguradas todas as garantias necessárias à sua defesa.

Tudo o que não ocorreu em Guantánamo sob ordens de Mr. Bush filho. Ao final, depois de um "processo" nebuloso, burocrático, injusto e surreal, Joseph K. morre: "as mãos de um dos senhores seguraram a garganta de K. enquanto o outro lhe enterrava profundamente no coração a faca e depois a revolvia ali duas vezes" (pág. 243). Esta obra foi apontada pelos jornais Le Monde e Le Parisien entre os cem maiores livros do século 20 e levada ao cinema no filme The trial, de Orson Welles, em 1962.

Kafka não teve filhos e morreu precocemente aos 40 anos em 1924. Ler Kafka é mergulhar nas profundezas da alma humana, analisar reações psicológicas na adversidade e a idiossincrasia dos personagens. Uma obra que atrai pelo misterioso, surreal e assusta pelas contradições absurdas. O que é, na verdade, a essência da vida humana, um eterno conflito em um oceano de muitas questões e poucas respostas.

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